Os Celestiais do Apocalipse - Prólogo da Devastação - Capítulo 03 - Sombra


Ismael POV

De repente, vi que eu estava em um lugar alto. Parecia uma espécie de morro. Os céus estavam com um tom de laranja diferente, que nunca havia visto antes, e quando eu respirava, o ar parecia ser bem diferente. Até mesmo a terra onde eu pisava tinha uma cor estranha. Parecia um bege escuro como nenhum tipo de solo que vi antes. Não parecia ser a Terra que conhecia, e sim alguma espécie de planeta alienígena, e isto ficou obvio quando notei que haviam três sois de cor laranja e diferentes tamanhos no céu, fazendo três sombras diferentes se projetarem em todos os objetos. Eu não conseguia separar o que era realidade do meu sonho naquele momento, pois estava sendo o sonho mais lúcido da minha vida. Eu não podia controlar meu próprio corpo. Aparentemente eu era um espectador da minha visão e dos meus sentidos, enquanto alguma espécie de consciência me controlava. Parecia que eu estava muito mais alto que o normal também, e sentia que meu corpo estava com a forma impossivelmente boa. Eu podia sentir e ver tantas coisas diferentes que mal conseguia compreender como meu cérebro conseguia processar tantos dados. Eu podia ver, escutar, cheirar numa escala inimaginável. Também podia sentir outras coisas, como energias, o fluxo das partículas do vento e outros sentidos indescritíveis. Vi minha visão lentamente se virar para o lado, onde notei que três mulheres que me lembravam Vivian, Gabrielle e Ana, embora tivessem corpos muito mais maduros e fossem muito mais altas e em boa forma que elas. As três vestiam uma espécie de roupa preta colada no corpo, como se fosse um traje de uniforme especial para soldados de ficção cientifica ou pilotos de espaço naves. A que parecia com a Vivian tinha o formato do rosto semelhante ao dela, cabelos também parecidos, porém mais longos, chegando até o meio das costas, e ela parecia ter mais ou menos um metro e oitenta de altura. A que parecia com Gabrielle também tinha um rosto parecido com o dela, cabelos chegando quase até a cintura, tendo a mesma cor e mesmas características embora fosse mais longo, e era mais alta, com um pouco mais de metro e setenta. A parecida com Ana tinha o mesmo rosto, porém mais maduro, também o mesmo cabelo, porém mais longo, na altura da cintura e sua altura aparentava ser a mesma da mulher parecida com Vivian. Todas elas pareciam ser extremamente bem trabalhadas fisicamente e imensamente belas, ao nível que os próprios gregos as chamariam de deusas. Também notei que havia algumas coisas diferentes em mim. Meus cabelos estavam lisos e longos, com alguns fios caindo na frente da minha visão. Minha barba estava feita simetricamente. O formato do meu rosto parecia também mais maduro e podia sentir através dos mais diversos sentidos que estava vestindo um uniforme semelhante ao das mulheres ao meu lado. Meu corpo também aparentava estar muito musculoso, como se eu houvesse treinado incansavelmente por vários anos até chegar ao nível de atleta olímpico, ou até mais.

“Por que diabos eu estou tendo um sonho desses?” Eu pensei. Sonhos são normalmente misturas de memórias passadas com o que foi vivido recentemente. São uma mescla de níveis diferentes da nossa consciência que nosso cérebro costuma fazer em períodos de alta atividade durante partes do sono. No entanto eu nunca havia passado por nada que poderia me fazer ter tal sonho, embora eu próprio achasse que minha mente fosse insana desde nascença. Minha cabeça lentamente se inclinou até ver o que tinha logo abaixo do morro, e pude ver o que parecia ser uma civilização inteira em chamas, com gigantescos arranha-céus caindo como ruínas flamejantes em rios de sangue, sangue marrom de corpos de seres que não pareciam ser humanos. Os corpos estavam despedaçados, desmembrados e flutuavam ao céu aberto . Ainda sem controle do meu próprio corpo, para meu choque, comecei a rir. Senti o prazer correr por todo meu corpo ao ver tudo aquilo, mas minha consciência rejeitava tudo aquilo. Estava imensamente confuso e desesperadamente desejava sair daquele sonho. Meu corpo estendeu sua mão direita para a civilização arruinada. Senti algo correndo pelos meus braços a gigantesca velocidade, como se fosse uma espécie de calor, até que esta sensação saiu do meu corpo e uma esfera vermelha apareceu na palma da minha mão. Parecia uma esfera de energia como aquelas de alguns animes.

- Outra dimensão pra conta! – O que me controlava disse através do meu corpo.

“ Não! Pare!!” Tentei gritar, em vão. Meu corpo disparou a esfera de energia em direção a superfície, e um instante após isto, recobrei a consciência. Saltei da cama e olhei ao meu redor. De alguma forma eu estava no meu quarto após tudo ter acontecido. Fiquei ofegante vários minutos, em pé, agitado. O quarto estava escuro. A porta estava fechada e eu podia escutar o som de chuva vindo de fora. Voltei a me deitar na cama para me recobrar dos eventos. Pelo menos tinha certeza de que o fato de que eu havia matado pessoas era real. Cobri minha cabeça com o travesseiro e comecei a chorar e a chorar por quase meia hora sem parar, tentando fazer o máximo de silêncio possível. Mal me importava o fato de eu estar em casa do nada. Eu não queria sequer pensar nas possibilidades e no que havia acontecido. Depois de chorar, fiquei imóvel na cama, olhando para o teto, sem a menor vontade de comer ou beber. Olhei para o computador e também não senti vontade alguma de jogar. Eu achava que dali em diante a minha vida seria um inferno. Mesmo que eu de alguma forma fui trago para casa e não direto para uma delegacia, uma hora ou outra iriam descobrir que eu havia matado pessoas. Mesmo se não me achassem, eu carregaria a culpa de ter minhas mãos manchadas de sangue enquanto eu vivesse. Minha consciência nunca iria me perdoar.

Gabrielle POV

Eu queria não acreditar, mas mesmo que negasse com toda a minha alma, sabia que o que havia acontecido era real. Meu amigo havia matado alguém na nossa frente. Eu quase fui violentada. E além disso tive o sonho mais aterrador da minha vida. Parecia tudo um pesadelo, ainda mais porque eu havia de alguma forma aparecido na minha cama de repente. Não importava o quanto eu tentasse me lembrar, eu não fazia ideia de como havia voltado para casa. Sei que havia perdido a consciência e que depois disso comecei a sonhar. Algo estava muito errado, mas eu não conseguia nem sequer organizar meus pensamentos naquele momento. Só pude deitar, juntar meus joelhos e ficar parada na minha cama, esperando que ninguém aparecesse no meu quarto e me visse naquele estado. Escutei meu celular vibrando e logo me revirei para pega-lo já que estava ao lado do meu travesseiro. Olhei o grupo que continha eu, Ismael, Vivian e Ana. Reparei que havia uma mensagem e cliquei na aba do nosso grupo. A mensagem era da Vivian, e ela havia mandado.

“Alguém ai?” Ela havia escrito. Imaginei que poderia ser algo semelhante ao sonho por alguma razão, mas achei impossível na hora. Comecei a digitar na tela.

“Oi.” Enviei a mensagem. Alguns segundos depois Ana mandou uma mensagem também.

“Gente... o que que tá acontecendo?” Me perguntava a mesma coisa. Era assustadora e inusitada ao mesmo tempo nossa situação. Vivian digitou.

“Eu não sei como vim parar aqui. A gente tava na rua vendo tudo aquilo... do nada ficou tudo escuro e eu comecei a ter umas visões muito estranhas” Ao ler aquilo eu pensei que era coincidência demais. Digitei outra mensagem.

“Eu também tive isso.” Enviei a mensagem. Alguns segundos depois Ana respondeu.

“Sim. Eu também. Por falar nisso aonde o Ismael está?” Quando ela perguntou, olhei seu contato e notei que ele nem estava online.

“Offline. Tem algo muito errado aqui. E eu tenho muitas perguntas.” Vivian enviou para o grupo. Eu não estava calma nem tinha capacidade de pensar nas possibilidades do que poderia ter acontecido, mas eu tinha quase certeza que era algo paranormal, por mais loucura que pudesse ser. Ana começou a digitar.

“Eu não sinto como se isso fosse nenhum sonho. E se nós três tivemos a mesma coisa...” Ana enviou sua mensagem. Continuei a pensar profundamente. Um minuto inteiro se passou e Vivian digitou e enviou outra mensagem.

“Gente vocês olharam a data? Já se passou um dia inteiro!” O que Vivian escreveu me pegou de surpresa. Voltei para a tela inicial do meu celular e vi que realmente havia se passado exatamente 24 horas após o momento onde nós supostamente fomos assaltados.

Ana POV

Eu estava enterrada debaixo de vários cobertores na minha cama, vendo as mensagens no meu celular e respondendo. Aparentemente as meninas estavam tão chocadas quanto eu, e após conferir a data, pude constatar que Vivian não estava brincando. Neste momento tive outra ideia para constatar o que diabos estava acontecendo.

“Pesquisem na internet se houve notícias sobre algo ontem. Se aquilo realmente aconteceu, a imprensa deve ter ido atrás e a polícia também.” Enviei a mensagem. Vivian respondeu em seguida.

“Eu vou dar uma ida no meu quintal pra ver como que estão as nuvens, porque eu lembro de ter visto a previsão do tempo e creio que hoje deveria estar nublado, se não chovendo.” Gabrielle respondeu em seguida.

“Ok, aguardo.” Sai do aplicativo e fui para a internet. Gastei alguns minutos pesquisando e por alguma razão não havia encontrado nada da notícia. Não havia o menor sinal do que havia acontecido. Voltei para o nosso aplicativo social e fui para a conversa em grupo.

“Nada. Não tem nenhuma notícia a respeito. Ainda não to convencida de que não aconteceu...” Enviei e aguardei uma resposta.

“O clima está de acordo com a previsão. Provavelmente deve chover logo.” Vivian reportou ao grupo.

“Mas como assim? Por que simplesmente não há evidencia alguma do que aconteceu antes?” A pergunta da Gabi não havia resposta que para mim não fosse fruto de algo paranormal, ou uma ilusão coletiva. Mas mesmo que eu pensasse e tentasse me convencer que tudo que aconteceu não passou de uma miragem, eu não conseguia me convencer.

“Estamos pensando demais no que aconteceu. Eu to muito ansiosa e nervosa com tudo isso e eu acho melhor a gente esfriar a cabeça por algum tempo e esquecer disso por hora.” Por mais que Vivian estivesse certa, ver pessoas serem mortas na nossa frente logo após sermos quase violentadas não era exatamente algo que poderíamos esquecer duma hora para outra. Tudo que pude responder foi um ‘Ok’ e sai do aplicativo, cobri minha cabeça e tentei dormir novamente. Levei horas para conseguir pegar o mínimo de sono e esqueci de almoçar nesse dia. Não houve muita conversa entre nós após os acontecimentos. Na verdade, nem conversamos. Estávamos mentalmente abaladas com tudo aquilo, e o que mais nos preocupava era o fato de que o Ismael não retornava. Ele não ficou mais online após aquele dia fatídico, e para ser sincera, eu não sei como iria encara-lo após tais eventos. O alívio era que tudo havia acontecido no início das férias, então teríamos duas semanas ou mais para ter o mínimo de condição de voltarmos aos estudos. Uma semana após a troca de mensagens eu já conseguia comer de forma adequada novamente. Cheguei a perder alguns quilos pois não conseguia me alimentar direito, mal saia da minha cama e não tinha vontade de fazer nada. Meus pais ficaram um pouco preocupados com a situação, mas fiz meu melhor para disfarçar até um certo ponto minha situação. Não queria criar uma confusão, sem falar que eles não acreditariam em mim. Pensariam que eu fiquei louca. Dois dias após eu voltar a me alimentar apropriadamente, algo estranho aconteceu. Eu estava almoçando tranquilamente uma bela feijoada, e tive uma sensação estranha enquanto eu mastigava, como se houvesse algo na comida que não deveria estar ali. Estranhamente eu já sabia que era uma pedra e pude retira-la com precisão da minha boca com um dedo. Foi nojento, mas ainda mais que nojento foi estranho eu ter conseguido perceber e precisamente retirar a pedra sem ter que a procurar na minha boca. Fiquei mais segura para me alimentar, mas eu estava sentindo algo estranho na pedra ainda. Continuei até acabar meu prato, e olhei para a pequena pedra na mesa do meu quarto. A peguei com a minha mão e a observei intensamente por alguns segundos. Eu sentia como se eu pudesse sentir através dela. Era muito estranho. Não parecia ser uma sensação única, e sim algo a mais, além da visão, tato, olfato, audição e paladar, que me conectava a aquele pequeno pedaço de terra sólida. Intuitivamente, respirei fundo e tentei imaginar a pedra se movendo. Foi esquisito eu pensar naquilo e eu não acreditava totalmente que a pedra iria se mover, mas pude ver que ela tombou para o lado quando eu pensei naquilo. A princípio não acreditei, mas após outras tentativas não tive nenhuma dúvida. A pedra estava respondendo aos meus comandos, ou melhor, imitando minhas imagens mentais. Tentei fazer o mesmo com outros objetos da casa feitos de materiais como vidro e metais. Pude sentir algo dos metais, mas eles não se moviam como a pedra. Desci para a sala e fui para a rua peguei algumas pedras na calçada e voltei para o meu quarto, e eu conseguia as mover da mesma forma que fazia com a pedra. Fiquei um pouco mais audaciosa e tentei fazer elas se arrastarem pela a mesa, e surpreendentemente, elas repetiram as ações simuladas pela minha mente. Eu não sabia como reagir, a princípio até me senti aterrorizada, até perceber: Eu havia ganhado poderes de alguma forma!

Gabrielle POV

Dez dias após a última vez que conversei com as meninas, aparentemente eu estava mais estável que na semana anterior, e eu podia perceber que algo estava diferente. Eu não sabia dizer o que mais era uma sensação diferente. Eu estava ajudando a arrumar casa, e havia acabado de tirar poeira do meu quarto. Quase espirrei quando por acidente, enquanto limpava meu computador, acabei lançando poeira direto no meu nariz. Depois disso fui para o banheiro para fazer uma limpeza básica nele. Nada demais. Só limpar a pia e o vaso sanitário. Mal eu havia pegado os produtos para limpeza e colocado eles no chão, eu senti vontade de espirrar novamente. Tentei segurar meu espirro o máximo possível, mas eventualmente ele saiu com força, e ao mesmo tempo que espirrei, a torneira da pia estourou, jorrando água para todos os lados e me encharcando. Dei um grito de susto, e depois da bagunça, meu pai acabou fechando o registro de água da casa e chamando um encanador. De alguma forma eu não conseguia tirar da cabeça que aquilo havia sido minha culpa. Minha família achou bastante estranho o ocorrido mas acabou pensando que era alguma coincidência ou algo do tipo. No dia seguinte, enquanto eu tomava água, senti a sensação estranha novamente, e a água desceu violentamente pelo copo, muito mais rápido do que o normal, e acabei engasgando. Acontecimentos assim continuaram até que não tive dúvida que a água estava reagindo a estímulos que eu estava fazendo.

Vivian POV

Já fazia duas semanas que eu não estava conversando com as meninas, e eu me sentia um pouco mal por isso, só que meu humor ainda não havia melhorado o suficiente. Mesmo que eu estivesse muito melhor, eu ainda estava afetada por tudo o que havia acontecido. Minha avô estava achando esquisito a forma como eu estava agindo as vezes, mas eu tentava disfarçar, e eu geralmente conseguia fazer isso por alguns minutos. O que me distraia de tudo isso no entanto era quanto eu estava sozinha em casa e podia fazer algo que eu nunca imaginei que poderia fazer antes: tocar o fogo. Uma semana antes, por acidente acabei descobrindo que por alguma razão, o fogo agora não me causava queimaduras. Eu podia sentir o calor ainda, e me incomodava até certo ponto, mas não me queimava, e era até interessante. A princípio eu havia ficado chocada. Eu estava com minha mão em cima da chama que estava esquentando minha panela de comida, e ela não queimava. Só fui perceber quando olhei para ela e vi que ela estava ilesa, embora o esmalte das minhas unhas tivesse derretido. Após o acontecimento, fui me acostumando um pouco mais, e em poucos dias eu estava simplesmente encantada com o que eu podia fazer. Aparentemente o fogo parecia responder as minhas intenções também, por exemplo: se eu fizesse um gesto como estalar os meus dedos com o intuito de criar uma faísca, a faísca de fato saia dos meus dedos, só que se eu fizesse isso muitas vezes eu ficava um pouco cansada, então me limitava somente a colocar fogo nas minhas mãos e ver como elas não queimavam mesmo se eu colocasse o fogão no máximo. Depois de mais uma série de testes, voltei para meu quarto e me deitei na cama, e meus pensamentos logo se voltaram para uma dúvida que agora eu tinha: “Será que estes poderes despertaram por causa do que aconteceu?”

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